domingo, 2 de novembro de 2008

O VALOR DA BIODIVERSIDADE

A espécie humana tem por hábito só reconhecer valor a algo que satisfaça as suas necessidades, por mais egoístas que possam ser, e a capacidade de só valorizar algo quando já não se acede a esse bem; tem sido assim que nos relacionamos com a biodiversidade : assumimos as épocas de abundância dos recursos como infindáveis e tardamos a reconhecer as épocas de perda e escassez.
A velocidade que a perda de biodiversidade atingiu na transição do séc XX, com taxas de extinção nunca antes vistas e com prazos de extinção muito curtos, de apenas uma década, bem como o nível de ameaça sobre recursos alimentares e energéticos mais utilizados, impõem um novo olhar sobre a biodiversidade e a sua gestão. Até agora a maior ou menor interdependência dos grupos humanos com a biodiversidade era determinada pela relação directa com os recursos numa lógica de sobrevivência actual e futura, mas à medida que o circuito de exploração se alarga, com recurso a fortes incrementos tecnológicos e para satisfazer necessidades de comunidades cada vez mais distantes, surgem ciclos de escassez e pobreza mais graves.
A avaliação económica dos recursos ou a sua quantificação em termos monetários, apenas se limita a ponderar o custo inicial da matéria prima num ciclo de produto, acrescentando os custos de exploração e de industrialização, os inputs de investigação e a definição do preço final, visando o maior retorno no valor de venda. Esta análise deixa de fora a ponderação da maior ou menor perenidade do recurso, a análise dos valores imateriais associados, dos efeitos colaterais na biodiversidade e de eventuais custos de recuperação ou substituição de recursos, embora mercê da legislação ambiental vá incluindo na cadeia de valor aqui e ali o custo de taxas e multas por degradação dos ecossistemas.
A economia defende que a quantificação da biodiversidade como um todo é senão impossível bastante difícil, questiona se tal deve ser preocupação do sistema produtivo e efectuar-se a montante da exploração dos recursos e pretende devolver à comunidade essa preocupação e esse custo incomensurável.
Para que serve a biodiversidade e quanto vale parecem ser as questões de partida que podem determinar uma alteração dos modos de produção e da atitude de “uso natural” dos recursos que nos configura a todos. Associadas a estas questões encontram-se duas perspectivas, a da valoração da biodiversidade e a da sua valorização, a primeira subjectiva e individual, a segunda objectiva e de quantificação aparentemente difícil. A objectivação da Biodiversidade, por se tratar de um sistema complexo de relações e de manifestações, no qual a espécie humana é parte da equação, recorre muitas vezes ao isolamento de análises de algumas espécies ou habitats que se apresentam como sinal de perigo ou como demonstração de alarmismo, consoante os lados da barricada.
A biodiversidade é assim prestadora de um conjunto de bens de suporte de vida como a energia, a alimentação, a água, a regulação climática, a localização e o abrigo das nossas comunidades humanas, etc, um conjunto de bens materiais que nos tínhamos habituado a considerar eternos, para lá da nossa escala pessoal de vida e que resistimos a considerar que são perecíveis mesmo durante o nosso percurso temporal. Por outro lado, é na biodiversidade que as comunidades humanas realizam e encontram um conjunto de manifestações imateriais, de bem estar, de inspiração estética, de religiosidade, e de identidade social, em que as perturbações do “cenário” originam problemas sociais.
A vontade de sustentar políticas ambientais que impeçam ou minimizem as perdas de biodiversidade esbarra por um lado na incompreensão generalizada da importância da Biodiversidade como um todo e do significado global de qualquer perda sectorial, ( apenas 26% dos inquiridos ingleses reconhece o termo “biodiversidade” contra 52% que reconhece a importância da “vida selvagem”), por outro, na noção não quantificada das disponibilidades de rendimento necessárias para obviar a tal degradação.
Uma estratégia possível para promover a aceitação da noção de perda de biodiversidade e lançar iniciativas de executem alguma redução nessa perda passa pela proximidade de medidas públicas de protecção e pela demonstração da viabilidade económica da sustentabilidade ambiental como atitude social; as medidas agro-ambientais, o eco turismo e o lazer na natureza e a mitigação de impactos urbanísticos através da compatibilização de usos, são algumas das etapas possíveis.
A resolução do alegado deficit informativo sobre questões ecológicas, através de estratégias de comunicação que traduzam a linguagem científica e técnica em casos reais, e assim promovam a adesão do público a modelos de redução de consumo ou a consumos mais responsáveis será também um campo a aprofundar.
Alguns estudos que aplicam metodologias de Escolha/Contingência demonstram algum nível de adesão a medidas de incremento de biodiversidade pela aplicação de políticas públicas de conservação e protecção, sobre espécies carismáticas ou parcelas de habitat ameaçados; se estas medidas forem aplicadas à escala local e global, recorrendo a transferências financeiras directas, por via do apoio a projectos de desenvolvimento local, e indirectas, por via do mercado do turismo ao invés do mercado de aquisições de recursos será possível reconstruir a balança de distribuição de riqueza, enquanto os mecanismos económicos de compensação não surgem internalizados na cadeia de produto.
Um dos valores que a biodiversidade apresenta para a humanidade que é intuitivamente mais valioso, mas absolutamente mais indeterminado em termos monetários é o da segurança alimentar e da reserva de Opções Futuras; com o escasso conhecimento do potencial de milhares de espécies existentes ( muitas centenas desaparecendo diariamente) não é de rejeitar que a sustentabilidade de futuras gerações dependa e possa ser gerada com base nesse potencial, pelo que a responsabilidade dos actuais gestores do planeta é abissal.
A protecção desses activos naturais através da internalização do seu valor integral para a humanidade, e não apenas para um qualquer segmento do processo produtivo e a opção por ganhos de longo prazo em lugar dos lucros de muito curto prazo, constituem uma abordagem mais racional e duradoura do que o actual modelo de uso privado e consequências públicas.

3 comentários:

A. Gonçalves disse...

A linguagem técnica é sem dúvida um pequeno travão na implementação de algumas medidas de preservação e conservação da natureza e da biodiversidade.
Eu defendo a ideia que só se preserva o que se conhece, por isso é necessário fazer passar as mensagens de forma eficaz.

Paulo Proença disse...

" A economia defende que a quantificação da biodiversidade como um todo é senão impossível bastante difícil, questiona se tal deve ser preocupação do sistema produtivo e efectuar-se a montante da exploração dos recursos e pretende devolver à comunidade essa preocupação e esse custo incomensurável."

Numa economia de mercado pouco relevo é associado directamente à biodiversidade per se, pois os valores ou são realmente vantagosos para a iniciativa privada após a sua exploração (ex.manipulação genética, ecoturismo...) ou relega-se para a figura estado a responsabilidade de a preservar e gerir.

Felicidade disse...

Para além dos recursos alimentares é fundamental nesta época de tecnologia, recorrer às espécies como fonte de inspiração quer na área da rebótica (estudando a forma como se movem os insectos) quer no fabrico de coisas tão úteis como o velcro.
Felicidade